sábado, 29 de maio de 2010

Casamento de Deinho e Tininha - 1964


Por Licurgo Nunes Quarto

LEGENDA DA FOTO DO CASAMENTO DE MARIA CRISTINA  DIÓGENES NUNES MARCELINO/JOSÉ MARCELINO NETO (DEINHO), REALIZADO A 12 DE FEVEREIRO DE 1964, EM NATAL - RN.

Identificando apenas os membros da família Diógenes, e seus respectivos agregados, uma vez que a foto está direcionada ao Blog www.familiadiogenesnobrasil.blogspot.com.

O casamento acima referido foi realizado no dia em que o casal Licurgo Nunes/Cristina Diógenes, pais da noiva, comemorava as “bodas de prata”, ou seja 25 anos de casados.

A foto foi feita na rampa que dava acesso à varanda da casa, localizada à rua Apodí, 597, vizinha à Igreja de Santa Terezinha, no Tirol, em Natal – RN,  em cuja casa  morava o casal Licurgo/Cristina e filhos. A citada casa foi demolida e em seu local foi erguido um Edifício residencial.

Última fila da esquerda para a direita: Licurgo Nunes Terceiro, com 21 anos (é o de paletó, onde a gravata está bem evidenciada); Pedro Diógenes Fernandes, com 40 anos (lá atrás,  o último da esquerda); Francisco Sebastião Diógenes, Seu Chiquinho, com  27 anos; Licurgo Nunes Quarto, com 16 anos (ao lado de seu Chiquinho);  Lafayete Diógenes Neto (Diosneto), com 22 anos ( o terceiro após Licurgo Quarto); Antonio Diógenes Fernandes, (Toinho), com 31 anos (é o mais alto); Pergentino Bezerra, casado com Cristina Diógenes Bezerra, que era  filha de José Diógenes Maia (ao lado esquerdo de Toinho); Oda Rodrigues Diógenes, com 27 anos (à frente de Toinho);

Fila onde estão os noivos (também da esquerda para a direita): Maria da Conceição Diógenes Nunes, com 17 anos (é a 2ª do lado direito da noiva); Severina Chaves Filha, Ceci, com 16 anos (ao lado da noiva); a noiva, Maria Cristina Diógenes Nunes Marcelino, com 19 anos; o noivo, José Marcelino Neto, Deinho, com 26 anos; Licurgo Nunes Quinto, com 13 anos; Cristina Diógenes Nunes, mãe da noiva, com 46 anos; Licurgo Nunes Júnior, com 23 anos; Licurgo Ferreira Nunes, pai da noiva, com 54 anos; Maria Alzir Diógenes, com 37 anos; Alzira Fernandes Diógenes, avó da noiva, com 66 anos ( é a de preto).

Fila das crianças, da esquerda para a direita: Lúcia de Fátima Freire Diógenes, com 10 anos (em frente à noiva); Maria Carmen Freire Diógenes Rego, com 07 anos (é a que está com o braço esquerdo flexionado, em frente a Lúcia); Licurgo Nunes Sexto, com 11 anos (de paletó, em frente ao noivo) e, finalmente, Pedro Diógenes Júnior, com 08 anos (de calça curta à frente de duas crianças de paletó).

sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Causos de Pipiu Diógenes"


Por Licurgo Nunes Quarto

“Pipiu Diógenes” (Napoleão Diógenes Fernandes), agropecuarista e Funcionário da Agência dos Correios e Telégrafos de Pau dos Ferros, estava sentado à sua calçada, à tardinha, quando viu que “Pedro de Nicolau”, um seu compadre e vizinho de propriedade, caminhava apressadamente em direção ao Quartel de Polícia.

Sabedor de que o referido compadre tinha um filho meio “trabalhoso” e percebendo a agitação que tomava conta do pai aflito, não se conteve e gritou: “Compadre Pedro, o que está ocorrendo?” O amigo se aproximou e contou: “Compadre Pipiu, é que o meu filho se meteu em uma briga lá na Praça da Matriz e foi preso. O que é que eu faço? Estou desesperado”. Pipiu, do alto da sua sapiência, e querendo ajudar ao compadre preocupado, disse: “Olha compadre, não sei se é verdade, mas, o que dizem por aí é que, com qualquer dez reais o delegado solta na hora”. “É mesmo compadre Pipiu?”, exclamou o pai angustiado. “Então vou lá agora”. Pipiu, depois de orientar como proceder, ficou na maior expectativa para saber o resultado. Meia hora depois, lá vinha o compadre “Pedro de Nicolau” de volta, trazendo o filho ao lado. Pipiu, sem conter a ansiedade, foi logo perguntando, sem deixar nem que o referido compadre se aproximasse: “E aí, Pedro, ‘dezzinho’ mesmo?” “Que nada compadre” – respondeu Pedro – “com ‘cinquinho’ mesmo eu resolvi”.

Outra com Pipiu:

Cansado de chegar à sua Fazenda “Melancia” e encontrar embriagado um seu trabalhador rural, conhecido por “Chico de Zé Quileto”, Pipiu Diógenes lançou um “ultimatun” ao operário: “Chico de Zé Quileto, da próxima vez que eu chegar aqui e lhe encontrar bêbado, não tem conversa; eu lhe dispenso; mando-lhe ir embora”. “Tá certo, Senhor Pipiu, o senhor tem razão”, concordou o infeliz morador.

Na semana seguinte, ao chegar à propriedade rural, Pipiu percebeu, de longe, que Chico estava “melado” novamente. “Ah, meu Deus do Céu! Olha só Araní, lá está Chico bêbado de novo”. “ Araní, hoje ele vai embora”. “Chiiiico, venha cá, você tá bêbado outra vez?” “O que foi que eu lhe disse?” “’Mas’ seu Pipiu, eu não ‘tô bebo’ não”, retrucou o pobre coitado. “Tá não, é? Então faça um quatro aí, com as pernas, prá ver se consegue”, desafiou o patrão. “Mas, Seu Pipiu”,(retrucou Chico), “se eu sou ‘anarfabeto’, como é que eu vou fazer um quatro”.

sábado, 22 de maio de 2010

Dr. Pedro Diógenes Fernandes - Homenagem Póstuma

Por Licurgo Nunes Quarto

(Homenagem póstuma prestada por Licurgo Nunes Quarto, quando da realização da festa anual de confraternização da Família Diógenes).

Pau dos Ferros, o Alto Oeste Potiguar e o Rio Grande do Norte perderam, há poucos dias, um grande homem público, um excelente administrador, um profissional liberal de primeira grandeza, além de um grande entusiasta e grande incentivador e apoiador desta nossa festa de confraternização. E eu, particularmente, perdi um tio, dos mais respeitados e queridos, bem como perdi um amigo e um colega de profissão.

Refiro-me ao Dr. Pedro Diógenes Fernandes, um Diógenes, na acepção da palavra, que possuía, que carregava consigo todos os caracteres peculiares a um Diógenes autêntico, quais sejam a disposição para o trabalho, a lealdade, a amizade, a solidariedade e a firmeza nos propósitos, legados estes herdados do casal precursor, os seus pais, Lafayete Diógenes Maia e Alzira Fernandes Diógenes.

Aluno destacado do Centenário e legendário “Grupo Escolar Joaquim Correia”, aonde já chegou alfabetizado, - “sabendo ler e escrever e fazendo as quatro operações matemáticas” ( Maria Luzinete de Lima, em “Doutor Pedro Diógenes Fernandes: sua influência na história e na cultura do alto oeste Potiguar”, pag. 75 ) pois teve o privilégio de ter em casa uma professora diplomada, a sua mãe Alzira Diógenes.

Neste estabelecimento de ensino primário, foi aluno do Professor Manoel Jácome de Lima, o Professor Dubas, que viria a se tornar uma das maiores referências do ensino no nosso Rio Grande do Norte, bem como o grande pesquisador da história de Pau dos Ferros. Seguiu, então, o adolescente Pedro Diógenes para Mossoró, quando estudou no não menos legendário e centenário Ginásio Diocesano Santa Luzia, para cursar o ginasial e daí para Natal onde cursou o científico no Colégio Estadual do Atheneu Norteriograndense.

Com determinação e o firme propósito de fazer o curso superior de odontologia, fixou residência em Recife. Concluindo o curso superior de Odontologia na Faculdade de Medicina e Odontologia do Recife, e declinando do honroso convite para lecionar a disciplina de Cirurgia na referida faculdade, optou em voltar a Pau dos Ferros, às suas origens, ao seu torrão natal, ao seu nascedouro, num sentimento atávico de servir à sua terra e à sua gente, numa espécie de retribuição à terra que lhe dera o berço, tornando-se o primeiro pauferrense com nível superior em odontologia a exercer o mister da profissão na sua Cidade. E o fez de maneira digna, honrosa e ética.

Dizia sempre que “aquele que não é capaz de servir à sua terra, à sua gente, não seria capaz de trabalhar ou de servir à terra de ninguém”.

Em todas as atividades que lhe foram confiadas, bem como em todas as funções que lhe foram outorgadas, Pedro Diógenes se houve de maneira brilhante, exercendo-as de modo a que lhe fossem atribuídos grandes méritos. Trabalhador incansável, fez da labuta diária uma constante em sua vida.

Trabalhou em todos os serviços públicos de saúde de Pau dos Ferros e cidades circunvizinhas. Desde hospitais, postos de saúde a sindicatos e associações beneficentes.

Tesoureiro geral da Prefeitura Municipal de Pau dos Ferros, na administração do Prefeito Licurgo Nunes, inovou a maneira de cobrar os tributos municipais, tornando-se um tesoureiro vigilante, brioso e responsável com o erário público.

Professor de matemática e ciências, e diretor de vários estabelecimentos de ensino, durante três décadas, contribuiu em muito para a formação cultural e intelectual de algumas gerações de pauferrenses.

Qualquer empreendimento que se planejasse ou que se iniciava em Pau dos Ferros – quer na fundação de clubes de serviços – como Clube Centenário Pauferrense (CCP) ou Lions Clube - como na formação de alguma comissão que visasse a criação de qualquer sociedade beneficente ou sindicato, ter-se-ia que incluir o Dr. Pedro Diógenes na sua formação. E tê-lo era a certeza de sucesso na empreitada, pois o Dr. Pedro Diógenes era sinônimo de organização, de responsabilidade e, acima de tudo, de “dar conta do recado” em qualquer missão que lhe fosse confiada.

Eleito Prefeito Municipal de Pau dos Ferros, realizou uma administração eficiente, moderna, diligente, com grandes realizações e obras que se sobressaem ainda nos dias atuais. Muito honesto e cioso das suas responsabilidades, fez da sua administração, frente à Prefeitura, um laboratório de como ser um grande gestor das finanças e dos bens públicos, coisa rara, aliás, nos dias atuais.

Esposo dedicado e amoroso, teve na Professora Maria do Carmo Freire Diógenes sua companheira, esposa e amiga de todas as horas, numa feliz união que perdurou por 55 anos. A Professora Maria do Carmo foi uma grande baluarte e auxiliar do Dr. Pedro Diógenes na árdua e difícil tarefa de administrar o lar e criar os filhos, corroborando com o preceito que diz que “ao lado de um grande homem existe sempre uma extraordinária mulher”.

O exemplo que ele deixa de homem probo, íntegro, honesto e trabalhador é um lenitivo, um conforto, não somente para a Professora Maria do Carmo, sua dedicada esposa, que está a prantear a sua partida, mas é, sobretudo, um legado aos seus irmãos Luiz Gonzaga Diógenes, José Diógenes Sobrinho, Antonio Diógenes Fernandes e Francisco Sebastião Diógenes (tio Chiquinho, o caçula) remanescentes da prole de dez filhos do casal Lafayete Diógenes Maia/Alzira Fernandes Diógenes, cuja prole era ainda composta por Cristina (minha mãe, de saudosa memória), Aldair (carinhosamente chamado por todos os sobrinhos de tio Dadá) , Maria Alzir (a nossa tia Zizi, mulher dinâmica e avançada no seu tempo), Napoleão (Pipiu, o grande Pipiu da “doce Arani” ), Fernando (tio Nanando – o Aragão), bem como aos seus filhos Lucia de Fátima Freire Diógenes, Pedro Diógenes Júnior (in memorian) e seus filhos, Maria Carmem Freire Diógenes Rego, Ângela Cristina Freire Diógenes Rego, José Otávio Freire Diógenes e Francisco Lafayete Freire Diógenes.

Que Deus, na sua infinita bondade, e Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de todos nós pauferrense nos dêem, a todos, a devida conformação pela sua partida, bem como a certeza de que para o Dr. Pedro Diógenes Fernandes há um lugar reservado no reino dos céus.

Esta é, pois, caros parentes e amigos, a homenagem que presto ao Dr. Pedro Diógenes, meu tio, amigo e colega Dentista - repito - e peço a todos os presentes a esta confraternização que, cada um a seu modo, e à sua maneira, em um momento de introspecção, elevem as mentes aos céus em sua memória.
Muito obrigado.

Pau dos Ferros, RN, em 18 de julho de 2009.
Licurgo Nunes Quarto - Cirurgião Dentista - licurgoquarto@digizap.com.br

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Pecado da Gula - Hildebrando e Áurea Diógenes

Por Licurgo Nunes Neto

A sombra do serrote avançava ligeira e já envolvia todo o terreiro. Mais alguns minutos e se perderia no infinito, avisando à brisa da boquinha da noite que pode começar a soprar para baixar o fogo do dia. O vaqueiro já tinha voltado da manga com a vacaria e chiqueirado os bezerros, garantindo o leite da manhã seguinte. Galinhas e patos já procuravam seus lugares altos no poleiro improvisado na cajarana, com a algazarra típica de quem foge da morte rasteira por nome de cobra e raposa.

Lá longe, fundindo-se com o dourado do horizonte, surge uma forma tremeluzente de contornos incertos, mas de fácil identificação para o olho experimentado do sertanejo: é um cavaleiro. Uma figura volumosa balança de um lado para o outro por arte da pequena gangorra nas ancas do animal.

Ombros largos e preguiçosamente caídos, uma mão na lua da sela, a outra se esforçando para vencer a pança e alcançar as rédeas. Os pés teimam em escapar dos estribos, preferindo o balançar aleatório no vazio. Altivez e harmonia, definitivamente, não descrevem o paladino. Áurea aperta os olhos e se pergunta: “quem é meu Deus, a esta hora?”. Mas antes que aquela silhueta encontre um par em sua memória, a mulher é interrompida pelo lamento do marido, que vem com um esgar dos que sofrem de verdade: “valha-me Deus... acabou-se a comida de minha casa! Hildebrando tá chegando.”

Suassuna sabia que não lidava com um amador. Desobrigado pelos recursos de família da virtude do trabalho, Hildebrando aquietava sua alma nos prazeres simples da vida, em especial no melhor deles, conforme seu julgamento: comia com gosto e sem limites. Era um glutão. Com certo enfaro, contava as horas entre uma refeição e outra tendo por passatempo a administração da fazenda do melhor local possível: seu trono balançante entre os tornos mais fixes do alpendre.

Foi de lá que uma vez se viu confrontado com uma praga rogada por uma cigana, desgostosa que estava com a resposta ao seu pedido de esmola: “tem não!”. A andarilha, mitologicamente afeita ao sobrenatural, vaticinou: “pois uma cascavéia vai picar ocê no caminho do roçado!”. Hildebrando, cuja pele alva jamais esteve ameaçada pelos rigores do sol sertanejo, que só conhecia o roçado por ouvir dizer, pega numa das varandas da rede e num movimento sincronizado de braço e corpo envolve-se no linho, dizendo precavido: “só se ela cair do telhado!”.

Áurea, feliz em ver o irmão, apressa-se nas boas-vindas: “vamos apear, Brando...”. O irmão agradece a gentileza: “já almoçaram? Viagem longa”. A observação provoca um leve tremor em Suassuna, como o prenúncio de uma grande desgraça. “Você janta com a gente e pernoita por aqui”, resolve a irmã. Era o que o viajante queria ouvir.

A visita do irmão era uma das poucas alegrias na vida de Áurea. O casamento tinha-lhe retirado o convívio da família e ao mesmo tempo lhe apresentado a uma nova sorte de valores, ou à falta deles: até então não sabia o que era privação, mesquinharia e pequenez d’alma. O enlace foi apenas o início de suas agruras. Em suas últimas conversas com o sobrinho que lhe visitava semanalmente em seu exílio final, Mossoró, dizia-lhe com uma clarividência incomum para quem já perdera a luz dos olhos: “Júnior, na vida você precisa se precaver dos ‘cinco esses’”. E completava: “Saudade, Solidão, Suassuna, Saldanha e Satanás!”. Vitimada pelo encontro forçado com os primeiros quatro algozes, argumentava aos céus que não merecia a companhia do último. No que concordam os Diógenes que aqui ficaram.

Na meia hora de prosa no alpendre, o visitante atém-se sempre ao essencial, de modo a não prolongar sua espera. A conversa é boa, mas saco seco não se põe falante. Áurea, encarregando-se pessoalmente das orientações à criadagem, cuida para que o jantar seja farto, digno da voracidade do conviva. Suassuna, de hábitos frugais à mesa, parte pelo corpo franzino, parte pela excessiva previdência material (confundida pelos mais azedos com avareza pura e simples), testemunha a derrubada de um cuscuz, duas canecas de leite gordo, oito ovos de capoeira, uma banda do queijo coalho que ainda curava no cincho, uma mão-de-vaca que escapara do almoço, três tapiocas com nata e uma caçarola de coalhada com um pacote de bolachas sete-capas esmigalhadas com as mãos. Tudo isto intercalado por “homem, você morre”, “é um animal” e “ô, jumento”, ditos com desesperança e pesar pelo anfitrião. Uma terrina de doce de leite ao final, um arroto ritualístico de satisfação e todos se recolhem. O casal em seu quarto, Hildebrando no alpendre.

Áurea termina suas orações, deita-se de lado e dorme. Suassuna tem por hábito à rede envolver-se na contabilidade da fazenda e nas maquinações de vida, mas naquela noite o sono tem outro motivo para demorar a chegar: um ronco gutural emerge do alpendre e se espalha pela casa, como só em noites de trovoada se vê por aquelas bandas de Patu.

Decidido a dormir, Suassuna passa a usar o ronco de Hildebrando para dar ritmo ao balanço da rede, que é empurrada por um leve empurrão de seu pé contra a parede. Mas aquela não era uma noite de Morfeu. O ronco desaparece gradualmente e há agora em seu lugar um gemido. De início bem baixinho, quase entre os dentes, cresce em intensidade e dor. Logo emerge daquele alpendre uma sinfonia de carpideira: “aaaêê... uhhmmm... aaaaai...”. O prantear pungente comove Suassuna: “Áurea, teu irmão tá morrendo”.

Áurea acorda, mas não entende o que acontece. O marido explica sem demora: “um homem sem estilo destes tem de morrer empanzinado. Vai lá e acode o desgraçado com um chá de boldo”. O alpendre estremece: “Uhhmm... aêmedeus...”.

A mulher abre a porta e fecha o robe até em cima, cuidando do sereno da noite. Vai até a rede do irmão e enquanto caminha pelo tijolo batido o marido espera do outro lado da janela com um discreto sorriso de satisfação nos lábios, certo de que presencia uma rara cena de punição dos pecadores. Áurea chega à rede do irmão. Àquela distância, os gemidos são lancinantes e transformam seu ceticismo em preocupação sincera pelo estado de Hildebrando. Ela balança de leve o punho da rede e pergunta: “Brando?”. O homem, que antes se contorcia de um lado para o outro, espicha-se para trás buscando aquela voz caridosa e, como se estivesse diante de uma aparição da Virgem, diz: “Ááááurea! Grazadeus. Ô Áurea, pelamordedeus, vá olhar se aquele munguzá já dá um caldo! EU TÔ MORRENDO DE FOME!”

...

Do outro lado da janela, o sorriso se desfaz: “é um animal!”.

domingo, 9 de maio de 2010

Histórias de José Diógenes Maia e sua família

Por Fábia Diógenes* 

Espontaneidade , generosidade  e  alegria eram as características mais marcantes do meu avô, Cel. José Diógenes Maia, segundo minha mãe, Maria Adelvise Dantas (in memorian), a terceira filha mais velha do seu primeiro casamento. Acredito que até hoje estas mesmas virtudes se caracterizaram como uma herança genética extensiva a todos os descendentes da família Diógenes.

José Diógenes Maia, mais conhecido pela alcunha de *Coronel Zé Diógenes, era filho do *Capitão Napoleão Diógenes Paes Botão e Cristina Fernandes Maia. Tinha estatura mediana e pele clara avermelhada. Quando jovem, começou seus estudos no intuito de cursar Medicina, depois desistiu e entrou para o Colégio Salesiano, destinado a ingressar no Seminário de Padres, quando aprendeu a falar o Latim. Como era muito festeiro, certa vez descobriram que fugira para dançar em bailes, sendo por este motivo expulso.


Foi político (nomeado), embora nunca tenha exercido o mandato, segundo minha mãe e algumas tias, provavelmente Deputado. E eu pude confirmar o fundamento desta história, ao ler partes destacadas do texto abaixo transcrito na íntegra da Wikipédia do Google: 

"Executivo municipal. Outrora Jaguaribe não dispunha de eleições para prefeitos. Eles eram nomeados por aqueles possuidores de maior poder econômico. Os primeiros partidos existentes foram UDN, que tinha como um dos principais membros, o Celso Barreira Filho, e o PSD, composto pela família Diógenes. Ambos eram compostos por famílias poderosas da região.  Em 1965, foram abolidos os velhos partidos e surgiram dois novos. Arena e o MDB, criados pelo Marechal Castelo Branco. A Arena era formada pelas classes dominantes, fazendeiros e grandes comerciantes. Já o MDB, era formado por um pequeno número de militantes com  ideologia, mas sem poder econômico para barganhar os votos e vencer uma eleição".

Cel. Zé Diógenes se desinteressou pela política, muito provavelmente por ser proveniente de família abastarda, além de ter muitas responsabilidades, já que era proprietário de vinte e sete (27) propriedades (depois do inventário de sua morte, as propriedade foram distribuídas, sendo três para cada uma das suas nove filhas do seu primeiro casamento com Teresa Dantas de Araújo).

As suas primeiras núpcias foi com Teresa Dantas de Araújo, passando esta a se chamar Teresa Dantas Diógenes, filha de Francisco Dantas, que era político e proprietário das terras onde surgiu a cidade no Oeste Potiguar, que tem hoje o seu nome. Teresa tinha, como irmã, Idezite, esposa do Dr. Cleodon Carlos de Andrade e Elvira, avó do Deputado Clóvis Motta.

Eram, José Diógenes e Teresa, os antigos proprietários e moradores da casa grande de trinta e oito (38) cômodos construída no final do Século XVIII (herdada do seu pai, Napoleão Diógenes), que ainda hoje ostenta a aristocracia da família a conferir-se pelo detalhe na cumeeira onde se pode ver *eira e beira; localizada na Fazenda Trigueiro, no Município de Pereiro, Ceará/Brasil. 

Deste casamento com Teresa, conhecida pela alcunha de Dôna Têca ou Têca Dantas, tiveram as filhas: Francisca (Ciquinha), Cristina (Titiu), Maria Adelvise (Vizinha), Rocilda (Dodô), Ercília (Cilô), Dezuite, Ezilda (Dodoca), Maria Gizelda (Xanana), Maria Diosneci (Cizinha). Eram consideradas pela sociedade como belas moças, bem feitas de corpo, que se trajavam muito bem (Adelvise, usava chapéus, trusses de prata, jóias etc ) e segundo o costume da época,  frisavam (faziam permanente) e usavam bananas (tipo de penteado) nos cabelos; de boa conduta, finas, educadas e bastante prendadas. Sabiam: cozinhar, bordar, costurar; inclusive a minha mãe aprendeu a costurar tubinhos para as criadas aos dez anos de idade, escondido da mãe. Como conheciam normas de etiqueta social, eram solicitadas para receberem as autoridades nas cerimônias dos bailes da Prefeitura de Pau dos Ferros.

Foi num desses bailes que minha mãe, Maria Aldevise, filha do Cel. Zé Diógenes, conheceu meu pai, Natanael Alves Grangeiro. Bonito e alto, apesar de muito sério, encantava toda a moçada. Na ocasião, entrou no baile, vestindo um elegante terno de linho branco escocês e sapatos pampa (de duas cores, que era fashion naquela época). Do amor á primeira vista e posteriormente confirmado o seu caráter e personalidade por todos que o conheciam, como um comerciante próspero (que negociava cavalos e algodão), honesto, bom filho, equilibrado e sem vícios, namoraram, noivaram e se casaram dentro de três meses; sendo Natanael, naquela época, um dos fundadores do Clube Centenário Pau-Ferrense e da Sede do Lions Club em Pau-dos-Ferros. Foram felizes até que Adelvise desencarnou em dezembro de 1994, vítima de enfarte. 

Dessa união, Natanael e Aldevise tiveram os filhos: Idalécio, José Ivanécio, Maria de Fátima que se formaram todos três em Medicina e a caçula temporã, Fábia Maria que se formou em Odontologia. Residiram na Avenida Getúlio Vargas, em Pau dos Ferros até se transferirem definitivamente para Natal. Natanael ainda hoje permanece vivo e saudável, com os seus 88 anos.

Espirituoso e brincalhão, o Coronel Zé Diógenes sugeriu que as filhas dominassem, cada uma delas, pelo menos um ou dois instrumentos musicais para tocar, até que ele adormecesse. Por causa disso, minha mãe aprendeu sozinha, sem mestre, a tocar cavaquinho aos dez anos de idade e com o tempo, banjo, e violão (que dominava totalmente); solando neste qualquer música só de ouvido. Muito alegre e espontâneo, era comum ás filhas de José Diógenes vê-lo brincar e dizer coisas engraçadas.

A casa grande era conhecida pelas apoteóticas festas promovidas por José Diógenes Maia, festas estas que duravam três dias com três noites sem parar. Matavam-se muitos bois, carneiros e aves e se contratavam duas bandas de músicas que se reversavam sem parar. Espirituoso, José Diógenes gostava de tomar uns drinks socialmente, apenas para ficar mais alegre, puxando fogo, como dizia. E num dia desses em que estava puxando fogo, foi até a cidade, entrou numa sapataria e mandou o vendedor colocar todos os pares de sapatos femininos que viu, em dois caçoares e os levou até a casa grande para distribuir com as filhas. O problema é que nesta pressa do vendedor e para a surpresa das filhas, nem todos os pares estavam completos.

As moças andavam de charrete, havia na fazenda campo de voleyball, e muito posteriormente, uma lambreta. O primeiro carro que subiu a serra de Pereiro na época (com uma buzina bastante estridente), foi de José Diógenes, causando espanto de toda a população da região; que nunca haviam visto coisa parecida.

Diziam que o Capitão Napoleão era um homem rígido, muito poderoso e rico. Como naquele tempo não haviam Agências Bancárias, ele chegava a encher caçoás e transportar suas moedas esterlinas de ouro. José Diógenes, bem menos rígido que o pai, muito maleável, tratava bem a criadagem enorme (contava minha mãe que tinha criada até para lavar os seus pés) e era muitas vezes bastante generoso, pois sempre que andava a cavalo e encontrava filhos de escravos foragidos feridos, conduzia-os dentro de caçoás, até a casa grande para que fossem tratadas as suas chagas, quando davam-lhes de comer e beber até que se recuperassem e pudessem seguir os seus caminhos. Minha mãe, ainda meninota, cuidou de alguns desses e até em certas ocasiões, fazia as vezes de enfermeira, trocando os curativos e encanava-lhes os braços. Também era amigável aos ciganos que apareciam em suas terras. Espirituoso e sagaz, quando estava de bolsos bem cheios, costumava se arrumar para ir á cidade, com a roupa mais velha e simples, bem despojado (para disfarçar); quando estava de bolsos vazios, vestia o melhor terno, se penteava e perfumava (para levantar o astral).

Houve uma época difícil para a família Diógenes na casa grande quando o o Cel. Zé Diógenes, a sua esposa, as nove filhas e a criadagem toda, tiveram de abandonar a casa, e se refugiar dentro das matas, aterrorizados com medo do Cangaceiro Lampião e seu bando.

Há um fato interessante sobre a botija da casa grande. Antigamente, como não existia TV, nem DVD, as famílias e alguns criados, ao terminarem de jantar, costumavam ir para a calçada da casa para conversar, ouvir estórias de trancoso, etc. Numa noite dessas, José Diógenes displicentemente comentou que sonhara na noite anterior com alguém te indicando um local na calçada, a contar de tantos em tantos tijolos (enormes), onde estaria enterrada um botija de moedas esterlinas de ouro. Ao amanhecer o dia, Dona Têca, sua esposa, mandou um molecote chamar o responsável pela ordenha das vacas. O menino apareceu correndo e bastante assustado, com olhos bem arregalados e avisou que todos daquela casa fugiram sem deixar vestígios. 

Posteriormente, o vovô percebeu uma concavidade de forma circunferencial na calçada, como se ali existisse algo como uma enorme panela de barro, exatamente no local aonde ele sonhou existir uma botija. Com o passar do tempo, soube-se que o criado que fazia a ordenha estava próspero e até teria montado uma joalheria em Fortaleza. Muito tempo depois, minha mãe sonhou com a existência de uma outra botija no sótão; só que quando escavaram, encontraram apenas ossos de recém-nascidos, que supunham-se ser de filhos de criadas quando abortavam já que era neste sótão, que as escravas pariam.

O Coronel Zé Diógenes enviuvou quando sua esposa Teresa, apenas com 43 anos, veio a falecer de câncer de útero. Tempos depois, casou-se com Delcide e teve com esta os cinco (5) filhos: José Dênis, Napoleão (falecido), outro conhecido como Sisiu (que casou-se e foi morar em Fortaleza) e mais outros dois outros filhos. A sua morte se deu por causa de um traumatismo (causado por um ossículo de ave) na língua, ocasionando um ferimento que exacerbou-se e cancerizou por ter sido um fumante. Após a sua morte e inventário, as suas terras foram distribuídas entre suas nove filhas, herdando cada uma delas três fazendas. A casa grande, passou a ser habitada por Delcide e os filhos deste segundo casamento. Depois de viúva, Delcide veio a se casar com o Sr. Manoel e não sei se desta união ainda tiveram filhos.


Quanto á possibilidade da existência de alguma miscigenação: hoje, muitos historiadores e ensaístas tem procurado encontrar alguma remota possibilidade de miscigenação ascendente na nossa família, existindo duas hipóteses: a de existência de uma ancestral indígena e a outra, de que esta mesma ancestral não era índia e sim mestiça. No entanto, eu, particularmente, não vejo a menor possibilidade da veracidade da segunda suposição, porque cresci ouvindo da minha falecida mãe e algumas tias, da total inexistência de miscigenação negra ou parda ascendente, da minha geração para trás; e até porque não há provas concretas, apenas uma suposição de alguém. 

Também era comum casamentos dentre os membros da mesmas famílias, ou somente entre as famílias mais tradicionais. Temos, inclusive na nossa família, diversos casamentos entre primos consangüíneos, como é o caso da minha tia Dezuite Diógenes, que casou-se com o primo legítimo e  Ex-Deputado Estadual, Ex-Secretário de Finanças e Ex-Prefeito de Pau dos Ferros, Paulo Diógenes; Maria das Graças Diógenes conhecida como Dadaça, filha de Agábio Diógenes, irmão de Paulo, que casou-se com o primo Sebastião Diógenes; Petinha Diógenes,  irmã de Paulo Diógenes que casou-se com o primo Mardônio Diógenes entre tantos outros casos.

O que eu sempre soube, desde criança, é que possuía como ancestral, talvez a tataravó (ou uma quem sabe, uma outra ancestral) índia legítima e  selvagem, que estaria passando pelas terras do meu talvez e possível tataravô, totalmente despida, com um corpo escultural e ancas bastante largas (dado á este fato, a explicação das mulheres da nossa família, inclusive todas as filhas de José Diógenes terem quadris bastante largos), tinha também uma cabeleira enorme, que cobria parte do seu corpo como um véu. Ela foi vista juntamente com alguns guerreiros da tribo, que estavam rondando as terras do meu tataravô, a procura de algum olho d’água. 

Os antigos índios, ao mapearem a existência de algum lençol d’água, tinham de costume encostar o ouvido no chão. Nesse momento, perceberam o barulho dos cascos de cavalo dos capangas do meu tataravô. Todos fugiram; mas a índia que estava com eles, não conseguiu acompanhá-los. Ao avistá-la, surgiu no meu tataravô um amor à primeira vista. Ele mandou buscá-la e trazê-la, amarrá-la,  amansá-la e casou-se com ela. Deveria ser esta provavelmente, a tal de Maria da Purificação, já que precisava se registrar em cartório com algum nome,  depois que foi amansada, para poder se casar com o meu talvez tataravô. Acredito que ninguém perderia o seu precioso tempo e a troco do quê, inventando esta bela história contada e em detalhes.

A minha bisavó, Teresa Cristina, mãe de Francisco Dantas, era Portuguesa, e o biótipo e fenótipo fisionômicos meus, olhos e pele bem claros, dizia minha mãe, fazem lembrar os dela que herdei dos tanto dos Diógenes, como dos Dantas e dos Alves (do meu avô paterno Sr. Francelino Alves, que tinha os olhos azuis). As nossas ancas largas, pernas bem torneadas, pálpebras baixas, e a dispensável necessidade de depilar pernas e axilas, assim como a grande maioria das demais mulheres da família até a minha geração ou talvez uma ou duas depois da minha (onde ainda temos lídimas Diógenes ou sejam Diógenes da gema), devemos agradecer, tenho a mais pura convicção, á herança genética da nossa antepassada indígena (já que estas são características fenotípicas da raça indígena). No entanto, os Diógenes mais legítimos ainda hoje se destacam pelo tipo físico * fidalgo e arrojado, de fácil distinção, bem característico da família.

Hoje, no entanto, após inúmeras décadas e o surgimento de gerações mais jovens, podemos constatar a existência de descendentes miscigenados com as mais diversas raças, nos mais diversos países e aferir toda beleza e graça destas miscigenações.

É muito bom podermos contribuir para registrar, conferir os fatos, e montar este precioso acervo histórico-cultural brasileiro, através da nossa história.

É plausível esta relevante iniciativa à todos vocês: primos Kennedy Lafaiete Fernandes Diógenes e Licurgo Nunes Quarto; à eficientes historiadores e ensaístas, dentre eles Francisco Honório de Medeiros.
 
*eira e beira - Naquela época, detalhes na cumeeira, caracterizavam o status, a aristocracia e poder econômico das famílias. Quando se referiam a alguém sem origem, dizia-se que era um Zé ninguém, sem eira nem beira.

* fidalgo - Fidalgo, etmologicamente significa filho de algo, de alguém importante.

*Coronel e *Capitão - Eram na época patentes que não tinham nada a ver com o serviço militar; no entanto, eram concedidas à pessoas de famílias tradicionais de alto poder aquisitivo, como uma forma respeitosa.